Giuliane Quintino

Educação e o racismo no Brasil

| Educação

EDUCAÇÃO E O RACISMO NO BRASIL: UMA PESQUISA COM PROFESSORES/AS DE BELO HORIZONTE SOBRE A LUTA PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI N.º 10.639/2003.

José Ribeiro Gomes[1]

 

Resumo: Este artigo tem por objetivo problematizar sobre “O Trabalho dos professores de história da Rede Pública do Ensino Estadual: A difusão da cultura Africana e Afro-brasileira, Particularidades na vida dos alunos do ensino médio da rede estadual”, o racismo no Brasil e a luta pela implementação da Lei n. 10.639/2003. Entender como o racismo se faz latente nas instituições de ensino, visando os casos de preconceito, discriminação e racismo na escola, através da difusão da cultura africana e afro-brasileira, com o entendimento que a escola é o lócus de produção e socialização do conhecimento produzido para o combate das opressões. Utilizo o termo “entraves no caminho” como alusões aos elementos da ideologia racista que, relacionados a fatos configuram empecilhos à efetivação de práticas antirracistas nos espaços escolares, consonantes com a Lei n. 10.639 e suas diretrizes, destacando mecanismos que dificultam a sua efetivação. As reflexões aqui encaminhadas foram instigadas após observação e consulta ao campo de pesquisa situado na referida escola.

Palavras-chave: Educação, Racismo, Lei n. 10.639/2003.

  

  1. Introdução

“O Trabalho dos professores de história da Rede Pública do Ensino Estadual: A difusão da cultura Africana e Afro-brasileira, Particularidades na vida dos alunos do ensino médio da rede estadual” foi o tema escolhido para a elaboração do presente artigo, cujo objetivo geral foi: Analisar as particularidades do ensino de história dos professores do Instituto de Educação do Estado de Minas Gerais (IEMG), da rede pública estadual, em seu ambiente de ensino.

Como objetivos específicos, foram estabelecidos: Analisar as particularidades do ensino de história na vida dos alunos do ensino médio do IEMG; Averiguar as dificuldades encontradas no ambiente de ensino para a difusão da política da igualdade racial; Investigar os impactos causados na formação dos alunos; Conhecer as estratégias desenvolvidas pelos profissionais da educação no contexto escolar para o desenvolvimento e a difusão da cultura africana e afro-brasileira; Identificar dados sobre como a cultura influencia na formação do aluno no decorrer do período de aprendizagem escolar.

Visto que diversas determinações, inicialmente, eram desconhecidas e que estas, conforme esclarecidas, são de fato complexas, tornaram-se imprescindíveis à leitura de autores como Joseph Ki-Zerbo, Gilberto Freyre, Nilma Lino Gomes, Darcy Ribeiro, Zygmunt Bauman, Anthony Giddens, Mônica Lima, entre outros que discutem a construção da identidade do negro na sociedade brasileira, o combate ao racismo introjetado nas instituições, as lutas pela implementação da política de igualdade racial e os instrumentos legais que dão amparo e sustentabilidade ao profissional da rede pública do ensino estadual.

Optei por utilizar a pesquisa bibliográfica, documental e de campo, uma vez que estas proporcionam maior aproximação com fatos e dados históricos, seguido de um contato direto com os professores e estudantes que ali atuam, por meio de um questionário para a coleta dos dados e entrevistas.

A pesquisa se desenvolveu, basicamente, com entrevistas a partir de questionário estruturado aplicado aos professores e estudantes, onde todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e esclarecido – TCLE, exigência do Comitê de Ética da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP, que garantiu o sigilo de identidade e informações dos participantes.

 

 

Para o desenvolvimento da pesquisa, vali-me da teoria social crítica como método, entendendo que a dialética, de acordo com Marx, é a ciência que estuda a sociedade a partir da concretude dos fatos, sem desprezar o campo das ideias. O que leva a entender a sociedade de forma mais ampla, evidenciando as suas contradições e transformações, sendo necessário retratar o modo de relações de dominação, ao qual na sua gênese se implantou e desenvolveu um modo de produção, com suas várias transformações e contradições advindas do seu próprio movimento.

Após verificar a ausência de experiências positivas, baseadas em práticas antirracistas, ou a dificuldade para efetivá-la na escola, aponto no item 2.1 deste artigo os principais “entraves” para que a referida lei atinja seus objetivos finalísticos. Procuro reforçar a importância e a relevância da lei para a construção de novos valores na sociedade brasileira no contexto atual, demonstrando o quão ela é imprescindível aos espaços educativos, em especial à rede pública, por essa receber o maior contingente da população. Vale destacar a importância social, política, econômica e cultural, na averiguação da subsistência desse contingente em sua totalidade, em que se apreendem quais os direitos positivados e efetivados desses sujeitos e se há violação desses.

Neste artigo, pois, pretendo debater sobre a abordagem das questões raciais no cotidiano escolar, analisando empecilhos e dificuldades para a efetivação de uma educação contrária ao racismo, correlacionando-os a fatos históricos que possibilitaram o fortalecimento do pensamento racial brasileiro, preconceituoso e discriminatório. Da mesma forma, destaco a configuração da sociedade atual, pós-moderna, influenciada por uma estrutura global de tendências homogeneizantes, pragmática e fortalecida pelo modelo econômico capitalista, agindo em favor da opressão voltada ao negro no Brasil.

Portanto, em razão do contexto mencionado, percebe-se que o cenário contemporâneo se complexificou e intensificou as formas de exploração, sobretudo para aqueles que compõem as classes menos favorecidas. A relevância desta pesquisa esta fundamentada, então, na necessidade de conhecer e discernir sobre o processo de trabalho dos professores de história e a realidade enfrentada por estes atores que compõe o quadro de servidores da educação no ensino médio estadual.

 

 

  1. A construção/afirmação da identidade negra

A construção/afirmação da identidade negra se dá como um papel a ser assumido e desempenhado na sociedade brasileira. Porém, aqui se discutirá o inverso. Isto é, proponho que há de se compreender a identidade como um processo em desenvolvimento em virtude das transformações societárias, econômicas, sociais e políticas, uma construção que está vinculada ao tempo e à sociedade ao qual o indivíduo está inserido. Nas palavras de Joseph Ki-Zerbo:

 

Sem identidade, somos um objeto da história, um instrumento utilizado pelos outros, um utensílio. E a identidade é o papel assumido: é como numa peça de teatro em que cada um recebe um papel para desempenhar (Ki-Zerbo, 2006, p. 12).

 

Segundo ele, uma identidade tem sua definição a partir da sua cultura. Desta forma, a identidade se produz na interação entre os indivíduos e com a sociedade as quais pertencem. Portanto, a alteridade será percebida e analisada em um contexto histórico e cultural de uma determinada época e compreendida na forma como o indivíduo se identifica com tudo isso.

A história da colonização brasileira demonstra que o país não avançou nesta discussão, pois na atualidade o povo negro ainda sofre com as permanências do escravismo e atrocidades ainda legitimadas, em que o negro sofreu e sofre brutais tentativas de desumanização, tratado como um animal adestrado simplesmente para o trabalho, desconsiderando sua cultura e o transformando em objeto de negociação, quase destituído de direitos, tido como uma mercadoria que poderia ser trocada por outra.

Essa situação, traz indagações sobre a construção da identidade do negro nos dias atuais, sinaliza como a sociedade brasileira ainda é atrasada e retrógada quanto as questões que envolvem especificamente o povo negro. Na atualidade vemos que o negro sofre vários tipos de discriminações, preconceito e racismo. De todo modo, ocorreu avanços para esta população a partir dos anos 1990, fruto da redemocratização e da promulgação da Constituição Federal de 1988 – dita constituição cidadã, quando se formularam políticas públicas especificas, em atendimento às demandas do movimento negro que, em sua rearticulação, reivindicou novamente direitos negados.

Segundo Jaccoud (2008), as desigualdades raciais no Brasil configuram-se como um fenômeno complexo e se constituem como um desafio grandioso a ser superado pelos governos e a sociedade. Combater e enfrentar as dificuldades que se colocam para a superação das desigualdades, da discriminação e preconceito, é os grandes desafios colocados no campo das políticas públicas para a igualdade racial. Diante dos fatos, apareci à necessidade de aprofundar e problematizar o racismo, a discriminação por causa da cor da pele e o preconceito racial e social, rememorando suas origens e fundamentos históricos.

A idéia é provocar a reflexão e contribuir para as estratégias efetivas de enfrentamento da reprodução do racismo, além de reafirmar a luta antirracista e a defesa das ações afirmativas no Brasil, caracterizando-se como parte das vivências associadas às expressões da “questão social” no país, o racismo precisa ser discutido, refletido e, sobretudo, combatido – nunca negado, pois negar sua existência significa aceitar a ideologia do embranquecimento propagada pela burguesia, e desconsiderar a luta de resistência do povo negro.

O Racismo é um sistema de dominação que tem por objetivo garantir a hegemonia do grupo racial dominante e que se mantêm por meio da perpetuação de três ferramentas básicas: Estigma (Violência simbólica), Ações institucionais (reprodução das estruturas) e Violências efetivas (Física ou simbólica), além de ser a expressão das relações conservadoras da sociabilidade burguesa e de seu individualismo, que, por sua vez, remete à exploração, cada vez mais bárbara, do trabalho pelo capital.

A partir da reflexão de que o povo brasileiro precisa reconhecer e aceitar sua origem e sua cultura, esse movimento pode se dar, entre outros, por meio de uma política de educação mais efetiva, inclusiva, laica, pública, igualitária e de qualidade, que perpasse pelas relações sociais, no combate as desigualdades sociais, raciais, denunciando o preconceito e o racismo introjetado nas instituições de ensino do país.

A conjuntura atual nos remete ao pensamento de que eliminar todas as formas de preconceito, combate ao racismo e discriminação por causa da cor é uma luta constante dos grupos que lutam em prol dos direitos humanos no país, dentre eles os diversos coletivos que compõem o Movimento Negro em suas diversas pautas de luta, inclusive o acesso a educação.

Para tanto, é preciso compreender a escola como o espaço onde se discutem, apreendem e disseminam os conhecimentos e, principalmente, as manifestações culturais de todos os povos, levando em consideração sua cultura, dança, música, ritos, utilizando do conhecimento da sua formação social, histórica e econômica a partir da nação estudada, respeitando a sua diversidade e especificidade. A Cultura faz parte do cotidiano e da vida das pessoas e pode se referir ao campo das artes e a um conjunto de ideias, objetos e modos de desenvolver e fazer  que foram criados por um determinado povo. Ela é aprendida, e não determinada biologicamente.

Todas as sociedades têm formas próprias de expressão artística e atualmente tem crescido a procura por teatros, cinemas e outros espaços culturais mediante o incentivo de professores que estimulam a pesquisa sobre determinados temas lecionados em sala de aula. Essas atividades, enquanto voltadas para o lazer e a cultura, visam à socialização e à integração do indivíduo na sociedade.

Apesar de acontecerem tantos movimentos em prol da cultura, as novas gerações precisam de orientação para que este caminho seja o caminho para o combate ao racismo, à discriminação e ao preconceito em nossas instituições de ensino, repensando os propósitos expressos na indicação CNE/CP 06/2002; bem como para consolidar a alteração trazida à Lei n. 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, pela Lei n. 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Escolar.

Tal discussão envolve a identidade cultural entre culturas diferentes, construindo uma reflexão acerca do homem e seu desenvolvimento, tanto no que abrange a sua individualidade e cognição, levando em consideração as questões subjetivas, quanto a sua posição no âmbito social e coletivo; além de proporcionar pesquisas sobre a cultura afro-brasileira em suas mais variadas manifestações, dentro de uma perspectiva abrangente. Ou seja, de modo a entrelaçar as diversas linhas do conhecimento propiciado pelo sistema de ensino. Portanto, é necessário pensar os currículos educacionais e os projetos pedagógicos escolares para a diminuição da violência, combate ao preconceito, discriminação e racismo em nosso país, se tornando espaços divulgadores da cultura, na obrigação de estar à frente deste trabalho.

 

 

 

 

2.1 “Entraves no caminho” da Lei n. 10.639/03: uma breve reflexão

 

Como mencionado, este texto tem por objetivo debater e elucidar quais são os entraves para a implementação da Lei n. 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-raciais e o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira na rede de ensino, destacando pontos que dificultam a sua efetivação. O Estado é uma organização política, ou seja, sociedade política com o objetivo de construir as leis para a manutenção das relações sociais, com a participação da sociedade civil, que mescla essa sociedade política de acordo com suas necessidades.

De tal sorte, interessa a situação da implementação da lei no município de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, que não é muito diferente das outras capitais do Brasil. Principalmente em Minas Gerais, muitos municípios não cumprem o que é estabelecido na Lei n. 10.639/03, no que tange ao ensino da história e cultura africana e afro-brasileira.

Segundo (Lima, 2009), a promulgação da Lei n. 10.639/03 veio como um instrumento no combate ao preconceito e às desigualdades raciais e sociais no Brasil, tornando-se uma importante ferramenta para todos aqueles que há tempos lutam e acreditam no combate do racismo, partindo da conscientização da população, por meio da educação, localizando-se historicamente para além de uma ação de governo; já que é fruto da crença na relevância desta medida por diferentes agentes sociais e movimentos sociais que atuaram em prol de sua efetivação.

De acordo com as premissas da Lei, surgem exigências para um novo pensar acerca das relações étnico-raciais, sociais e pedagógicas, com propostas de alcance para novas práticas de ensino, a partir do repensar sobre as condições disponibilizadas para aprendizagem e os objetivos da educação oferecida no âmbito escolar, repensando e adaptando os currículos escolares no que tocam os conteúdos a serem trabalhados em todos os níveis e modalidades de ensino. Como tem se reconhecido:

A Lei n. 10.639/2003 pode ser considerada um ponto de chegada de uma luta histórica da população negra para se ver retratada com o mesmo valor dos outros povos que para aqui vieram, e um ponto de partida para uma mudança social. Na política educacional, a implementação da Lei n. 10.639/2003 significa ruptura profunda com um tipo de postura pedagógica que não reconhece as diferenças resultantes do nosso processo de formação nacional. Para além do impacto positivo junto à população negra, essa lei deve ser encarada como desafio fundamental do conjunto das políticas que visam à melhoria da qualidade da educação brasileira para todos e todas (UNESCO; MEC, 2008, p.10).

 

Segundo o artigo 8.º das Diretrizes curriculares, as escolas deveriam participar de atividades periódicas de exposição, avaliação e divulgação das conquistas e dificuldades para a aprendizagem da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira e Educação nas relações étnico-raciais, fato que é desconhecido por vários diretores e educadores de escolas, deixando assim esta questão abandonada, até por não conhecer a sua importância e relevância para a formação dos educandos.

Parto do princípio de que a questão negra no Brasil enfrenta antigos e novos inimigos no campo da subjetividade, com grande capacidade de mutação e combinação, influenciando o campo objetivo das relações sociais com seus discursos ditos progressistas. Assim, cabe um olhar mais aprofundado e analítico sobre a Lei n. 10.639/2003, detalhando os entraves e as dificuldades para a sua efetivação e a promoção de uma educação antirracista.

Sabemos hoje que para a construção de uma educação antirracista, a diversidade humana é um componente imprescindível de qualquer projeto que pretenda ser emancipatório, onde requer enfrentamento firme ao machismo, à LGBTfobia, à xenofobia, patriarcado e outras formas de preconceito que necessariamente incluem o racismo como componente estrutural da exploração capitalista.

Entre os entraves e as dificuldades de muita relevância, destaca-se o mito da democracia racial, importante elemento na construção da ideologia racial brasileira. Muitos estudos revelam a democracia racial como uma grande farsa. Embora muitas pessoas de diferentes classes sociais acreditem que todos os indivíduos gozam das mesmas oportunidades e condições para desenvolverem sua cidadania, sabemos que na prática não é bem assim.

Mesmo assim, é muito latente na sociedade brasileira o ideal de branqueamento inserido no pensamento social brasileiro, em que se configura como meta a cultura branca, suscitando a necessidade de desenvolver mecanismos para combater este ideal e com isso almejar a construção da igualdade.

Analisando a influência das políticas neoliberais nos diferentes níveis da educação, Arce (2003) esclarece que elas conduzem à redução da aprendizagem de conteúdos nos cursos de formação de professores, se tornando outra pedra no caminho da Lei n. 10.639, pois, ela modificou a organização da educação, introduzindo princípios do mercado, formando cidadãos para o mercado de trabalho e as escolas se transformaram em verdadeiras empresas a serviço do capital. Neste sentido, ela afirma:

O professor não necessita ser um  intelectual com  uma base teórica e prática fortemente fundamentada em princípios filosóficos, históricos e metodológicos: os seus atributos pessoais passam a ser valorizados em detrimento da formação profissional. Retira-se definitivamente do professor o conhecimento, acaba-se com a dicotomia existente entre teoria e prática, eliminando a teoria no momento em que esta se reduz a meras Informações (Arce, 2003, p. 31-32).

 

E, por fim, a outra pedra, denominada Pós-Modernidade, ou Modernidade tardia, é uma resposta da cultura aos princípios da modernidade criados a partir do racionalismo iluminista. Este período é marcado pela fluidez, a falta de demarcações objetivas e a multiplicidade de razões em oposição à rigidez da Modernidade, ancorada na ciência. Tendo em vista essa diferenciação, Bauman caracteriza o Estado moderno como:

um poder planejador, e planejar significava definir a diferença entre ordem e caos, separa o próprio do impróprio, legitimar um padrão as expensas de todos os outros. O Estado moderno difundia alguns padrões e se punha a eliminar todos os outros… Desautorizados e, portanto subversivas, essas qualidades agora geravam ansiedade (Bauman, 1999, p. 117).

 

O discurso pós-moderno leva o debate para um plano confuso, de relativização, subjetividade e flexibilidade. Tudo é reconhecido, ao mesmo tempo em que poucas coisas são esclarecidas. Conceitos e categorias tiveram de se adaptar a este momento. A identidade social que até então foi construída a partir de elementos fixos, como “raça” e cultura, está cada vez mais mestiça, flexível e transitória. Neste momento, o que entra em conflito são as identidades e grupos na disputa por espaço, ou seja, a reedição da idéia de um país mestiço, como previa o antropólogo Darcy Ribeiro.

A identidade nacional mestiça ou hibrida vai, pois, ganhando impulso, mesmo que o ideal de branqueamento continue presente. Sendo assim, o pensamento pós-moderno é uma forma de não mexer nas estruturas organizativas da sociedade e se coloca como entrave para atingir os princípios construídos pela modernidade.

Tais entraves remetem a uma nova conscientização para formular e criar novos caminhos e alternativas para que de fato a lei atinja os seus objetivos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, combatendo qualquer forma de discriminação e preconceito.

Ao estabelecer a ligação do fenômeno com sua origem histórica, procurou-se investigar a causa de o trabalho dos professores do IEMG existir na contemporaneidade. Além deste processo de compreensão da conjuntura sócia histórica brasileira que incidiu no trabalho, esta pesquisa possui caráter documental, pois foram analisadas as legislações que tratam dos direitos e políticas relacionados ao trabalho docente, Direitos Humanos e Sociais, entre outras informações necessárias para o desenvolvimento e a compreensão do objeto de estudo. Convém, então, registrar que, segundo Gil (2010, p. 30), “pesquisa documental vale-se de toda sorte de documentos, elaborados com finalidades diversas, tais como assentamento, autorização, comunicação e etc.”.

Analisar as particularidades do ensino de história pelos professores do Instituto de Educação do Estado de Minas Gerais requer fazer um levantamento investigativo que possibilite entender as relações e o trânsito que permeiam esses trabalhadores da educação e seus educandos no convívio social, bem como a relação com o Estado, no que tange o acesso aos direitos fundamentais à pessoa humana e aos direitos do trabalho digno.

Para elucidar estas questões, utilizou-se dos elementos referentes à pesquisa qualitativa. Para Minayo, pesquisa qualitativa:

Responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. O universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das relações, das representações e da intencionalidade e é objeto de pesquisa qualitativa dificilmente pode ser trazido em números e indicadores quantitativos (Minayo, 2008, p. 21).

 

Com isso, a pesquisa tem como horizonte um produto palpável que implica a compreensão das processualidades, estrutura, dinâmica, particularidades e determinações. Para esta pesquisa, pautou-se no ciclo de pesquisa qualitativa descrito por Minayo (2008) como processo de trabalho em espiral constituído de: fase exploratória, trabalho de campo e análise e tratamento do material documental e empírico.

Para desenvolvimento da pesquisa, recorreu-se à teoria social crítica, entendendo que a dialética, de acordo com Marx, é a ciência que estuda a sociedade a partir da concretude dos fatos, sem desprezar o campo das ideias. Isso nos leva a entender a sociedade de forma mais ampla, evidenciando as suas contradições e transformações.

Esta investigação trabalha com o princípio de que o objeto de pesquisa é originalmente desconhecido, uma vez que esse tem determinações abstratas (determinações desconhecidas). Na medida em que se chega ao primeiro objetivo específico, por meio de aproximações, as determinações que eram abstratas vão se tornando conhecidas. Isso ocorrerá com os segundo e terceiro objetivos específicos. Ou seja, com idas e vindas ao objeto de estudo, obtêm-se aproximações do que de fato seja o objeto de estudo.

Assim sendo, por meio dessas aproximações, parte-se do concreto real caótico chegando ao concreto pensado. Este, por sua vez, é a síntese de muitas determinações. Para a produção da pesquisa e a aplicação do método, tornou-se necessária a compreensão dos ciclos em que ela se aplica:

  1. a) ação recíproca, unidade polar ou “tudo se relaciona”;
  2. b) mudança dialética, negação da negação ou “tudo se transforma”;
  3. c) passagem da quantidade á qualidade ou mudança qualitativa;
  4. d) interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários (Marconi e Lakatos, 2005, p.100).

 

Dentro destas leis fundamentais, entende-se o fenômeno do trabalho dos professores de história do IEMG como um complexo de processos em constante movimento. Esses, de acordo com os pilares da sociedade capitalista e as manifestações da questão social, influenciaram as condições de trabalho, constituindo uma nova particularidade, o trabalho sem restrições à exploração da mão de obra e dos direitos. Torna-se necessário, portanto, o desenvolvimento de estudos das diversas determinações desconhecidas, que irão surgindo e se tornando complexas com o aprofundamento destas descobertas, considerando o movimento histórico da sua concepção e da mudança conjuntural.

Contribuem para esta análise os projetos políticos e suas contradições, as transformações do objeto em questão a partir da implantação do projeto neoliberal, o desmonte das políticas públicas para a classe docente.

Se todas as relações implicam um processo de transformação da realidade, na contradição entre o velho e o novo, com suas idas e vindas, também trazem à tona novas interpretações. Com isso, à luz da teoria social crítica, dialética marxiana, chega-se a um concreto pensado, que por sua vez se tornou síntese de muitas outras determinações.

 

  1. Resultados e/ou discussão

 

A pesquisa de campo foi realizada no Instituto de Educação de Minas Gerais – IEMG, localizado à Rua Pernambuco, 178 – Bairro Funcionários – BH. Desta forma, visando dados qualitativos e quantitativos, a proposta era entrevistar quatro (4) professores e quatro (4) estudantes da escola supramencionada. Ou seja, oito (8) entrevistados (as), identificados por números. Dentre os entrevistados estão: Dois professores de História, sendo que a escola possui em seu quadro apenas dois profissionais desta disciplina, que revezam nos três turnos (Manhã, Tarde e Noite) e cinco estudantes, sendo três do sexo feminino e dois do sexo masculino.

Apesar de as entrevistas serem previamente avisadas, a aceitação por parte dos professores não foi unânime, revelando a deficiência do quadro de profissionais do IEMG. Quanto aos estudantes, porém, houve uma boa aceitação.

De início foi aplicado um questionário estruturado, no intuito de conhecer o perfil dos professores e estudantes. Posteriormente, foram feitas perguntas semi-estruturada com objetivo de suscitar a reflexão sobre a atividade laboral dos professores exercida na escola com a suposta temática. No que diz respeito aos estudantes entrevistados, procurou-se averiguar qual era a sua compreensão sobre a temática investigada.

Durante a visita ocorrida no período de entrevistas, notou-se grande participação feminina na escola, o que ficou evidente na visita às turmas, na coordenação geral do IEMG e no quadro geral de funcionários, sendo que dos 850 funcionários, 675 são do sexo feminino, representando 79%, e 175 são do sexo masculino, representando 21%. No entanto, o resultado do questionário não registrou exatamente esta proporção: as mulheres predominam, mas com um percentual de 66%, enquanto 34% foram homens, entre professores e estudantes.

De acordo com a professora, a única que se propôs a responder o questionário, existe um projeto politico-pedagógico da escola, mas que não incorpora a Lei n. 10.639. Ou seja, segundo ela, a lei não foi implementada no IEMG, evidenciando que os professores nem se quer recebe orientações da direção da escola sobre a temática. Quando questionada se ela trabalhava essa questão de forma individual e autônoma, a resposta foi “sim, mas de forma muito sistemática”.

De acordo com a professora, ela tem desenvolvido ações pontuais correlacionadas com a abordagem da história e cultura africana e afro-brasileira, sempre “com mini projetos de assuntos de interesse do aluno. Esses projetos são elaborados pelos próprios alunos”. Tal assertiva é confirmada pela estudante 1, negra, que relata: “Sim, eles às vezes fazem palestras. O grêmio fará uma roda de conversa sobre isso com os alunos e vamos assistir um vídeo e conversar sobre ele. O filme é sobre Zumbi dos Palmares”.

Diante das colocações, percebe-se que a escola, através de seu corpo docente, tenta desenvolver ações conjuntamente com outras matérias de forma interdisciplinar (História, Sociologia, Português, Geografia e Artes), por meio do que se discute sobre o combate do racismo, preconceito e discriminação contra o negro e afrodescendente. Como relatado pela estudante (3), negra:

“Tem abordado, sim. Foi quando cada sala montou uma instalação e a turma (A) falou sobre o preconceito que as mulheres sofrem. Falou da questão de gênero, sexismo, diferenciação de salários entre homem e mulher”. (Estudante 3)

 

Portanto, averiguou-se que o trabalho interdisciplinar entre os professores/as do IEMG tem alcançado bons resultados, mesmo com todas as dificuldades apresentadas no cotidiano de trabalho, como pouca estrutura, deficiência do corpo docente e um projeto politico-pedagógico defasado.

Outro fato que chama atenção é que, quando questionada sobre o registro de casos de racismo na escola, a professora  deu a seguinte resposta:

Não que eu saiba. Nunca presenciei ocorrência registrada por denúncia, mas ele [o racismo] existe dentro da escola sim e muitas vezes o aluno sente isso. Em trabalhos realizados sobre o tema, dois alunos me relataram que sofreram preconceito dentro da escola, mas não houve denúncia. (Professora 1)

 

Tais fatos curiosamente são desconstruídos pelos estudantes entrevistados, que relatam que não deve haver discriminação, preconceito por causa de cor ou deficiência. A estudante 2, branca, traz na sua resposta uma excelente reflexão, quando questionada se ela considerava isso algo importante:

Sim, o Brasil tem muito preconceito, e a gente sabe que os negros ajudaram a construir a nossa sociedade junto com os índios que já viviam aqui e depois vieram os colonizadores mas mesmo assim hoje ainda tem muito preconceito e a cultura africana é muito bacana, as danças, as musicas, a comida, e o povo africano tem muita coisa a ensinar para os outros países, mas o pior que os africanos estão exclusos do mundo. (Estudante 2)

 

Desta forma, tendo em vista os pontos teóricos pesquisados ‑ tais como analisar as particularidades do ensino de história do IEMG; averiguar as dificuldades encontradas no ambiente de ensino para a difusão da política da igualdade racial; conhecer as estratégias desenvolvidas pelos profissionais do IEMG no contexto escolar para o desenvolvimento e a difusão da cultura africana e afro-brasileira; e identificar pontos sobre como a cultura influência na formação do aluno no decorrer do período de aprendizagem escolar, ficou evidente que esses traços estão presentes e vivos nos processos de trabalho do (a) professor (a), interagindo com professores (as) de outras matérias.

As análises mencionadas no decorrer deste texto são algumas das principais aferições, após inteirar-se do conteúdo teórico em consonância com a prática. Vale ressaltar que, apesar das críticas a instituição, chamou a atenção à função social do Instituto de Educação de Minas Gerais – IEMG inteirado com o compromisso com seus alunos, e a gratidão pelo mesmo, de forma a finalizar esta análise com um trecho da estudante (5) de cor parda, que disse: “Sim, quando a gente sabe mais sobre o assunto, a gente pensa antes de fazer”.

 

  1. Considerações finais

Esta pesquisa teve como ponto norteador para o seu desenvolvimento o objetivo de analisar as particularidades do ensino de história dos professores do Instituto de Educação do Estado de Minas Gerais (IEMG), da rede pública estadual, em seu ambiente de ensino. Percebeu-se que este público, em sua trajetória sócia histórica, carrega as manifestações da questão social, pois o preconceito, a desigualdade social e racial, a exclusão social e a negação dos direitos se fazem presentes.

São, portanto, grandes os desafios que a comunidade docente enfrenta ao procurar direcionar ações que visem à melhoria do aprendizado dos alunos por meio da cultura e da difusão da política da igualdade racial.

Este fato proporciona, entre outros problemas, dificuldades na geração de relações interpessoais respeitáveis e igualitárias no âmbito escolar, onde são encontrados diversos coletivos e grupos sociais.

Na fase da infância e da adolescência, os jovens absorvem uma vasta quantidade de conhecimentos. Com isso, é fundamental fazer com que eles possam avaliar estas informações, em especial aquelas que dizem respeito às diferenças raciais.

Uma grande parcela de profissionais acaba proporcionando, consciente ou inconscientemente, a manutenção, a indução ou a propagação do racismo estrutural, de preconceitos e discriminações por diversos motivos. Isso porque, no Brasil, a maioria dos profissionais não é qualificada  e a grade curricular não engloba a temática, interferindo no aprendizado do aluno.

As práticas educativas devem estar conectadas ao principal objetivo da lei, que é a formação de uma sociedade mais respeitosa aos direitos humanos e valorizadores da diversidade, graças a um trabalho contínuo e articulado.

Outro aspecto refere-se à relevância social do estudo, uma vez que seus resultados poderão contribuir consideravelmente para a melhoria no processo ensino aprendizagem, especialmente no que se refere às relações entre professores e alunos, quebrando paradigmas e impulsionando o trabalho do profissional da educação.

Contudo, também será importante a participação de outros setores da sociedade neste processo, como a mídia, os poderes públicos e a sociedade civil incentivando e auxiliando a construção de um pensar antidiscriminatório, que deve ser construído a partir dos espaços escolares.

Buscamos uma sociedade equitativa, então, torna-se imperiosa e desafiadora a construção de práticas positivas para a afirmação das múltiplas identidades encontradas nas escolas, e a identidade negra é uma delas.

 

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Revista

[1] Assistente Social. Especialista em Gestão de Programas e Projetos Sociais – UNA. Especialista em Relações Étnico-Raciais: Universidade Federal de Ouro Preto UFOP. Vice Presidente do Conselho Regional do Serviço Social – CRESS/MG – 6.a Região – Gestão 2020/2023. Mestre em Maestria Estado, Governo e Políticas Públicas – Faculdade Latino Americana de Ciencias Sociais – FLACSO. Pesquisador do Programa de Extensão e Pesquisa Janela da Escuta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Rede Transdisciplinar de Pesquisa com Crianças e Adolescentes do Instituto de Estudos Avançados e Transdisciplinares (IEAT) da UFMG. http://lattes.cnpq.br/1485511037558265 – citações bibliográficas GOMES, J. R. – E-mails: joseribeirog@yahoo.com.br / joserbgomes88@gmail.com.